Nutrição da criança portadora de Atrofia Muscular Espinhal
As doenças que acometem a habilidade motora, tal qual as que envolvem regressão muscular como a atrofia muscular espinhal (AME), alteram a capacidade dos portadores destas em serem alimentados corretamente, além de comprometerem o crescimento ósseo por diminuição de estímulo, e reduzirem as reservas musculares como capital protéico nas situações de estresse. A eutrofia, garantida como a composição corporal capaz de sustentar uma vida saudável, fica comprometida pois esta composição está definitivamente alterada pela diminuição atrófica da maior parte da “massa magra” representada pelos músculos.
Nas formas de apresentação precoce, os bebes apresentam progressiva dificuldade de sucção e a deglutição comprometida pela incoordenação que advirá na evolução da doença. Além disto, estas crianças estão mais sujeitas À presença de refluxo gastresofágico e as conseqüências destas inabilidades são: um menor aproveitamento das mamadas, maior incidência de infecções respiratórias altas e baixas além de sangramento oculto com maior tendência a anemia ferropriva.
À medida que a criança progride cronologicamente, ou naqueles de aparecimento mais tardio, a alimentação semi-sólida ou sólida tem grande dificuldade de ser implementada. As dificuldades posturais que irão dificultar ação da força gravitacional como coadjuvante na mecÂnica alimentar e irá exigir próteses alimentares, tais como sondas nasogástricas ou gastrostomias, com a finalidade de manter um meio eficiente e menos traumático de realizar a alimentação.
No controle alimentar é muito difícil a avaliação nutricional, uma vez que quase sempre é difícil se obter as medidas antropométricas clássicas como altura e peso. Crianças maiores de dois anos dificilmente caberão nos antropômetros horizontais e não tem a possibilidade de ficar de pé para utilizar os verticais. Além disto, as deformidades osteoarticulares conseqüentes (escoliose) não permitem uma postura correta para a aferição do comprimento. A partir dos quinze quilogramas necessitarão de meios especiais (colo de um assistente na maioria das vezes) para serem pesadas e, para completar, as tabelas de normalidade de peso/altura e suas correlações não prevêm crianças com tais características.
A medida da circunferência do braço (CB) entre um e cinco anos é bastante satisfatória na avaliação do estado nutricional, pois valores acima de 13,5cm indicam adequação nutricional nesta faixa etária. A prega cutÂnea triciptal (PCT) aferida na metade do braço é outra maneira de se observar a adequação gordurosa e as duas medidas permitem a avaliação da circunferência muscular do braço (CMB= CB- (PCT x 0324) que serve como parÂmetro para se observar a evolução do processo de atrofia muscular. Outro método a se utilizar é a medida do comprimento da tíbia (CT) a partir da borda súpero-medial até o maléolo medial inferior. A estatura estimada (E) em centímetros poderá ser calculada: E=(3,26X CT) + 30,8 .
A avaliação nutricional subjetiva, através da avaliação clínica, nos permite perceber se a criança está nutricionalmente adequada, evitando-se a obesidade que agrava as desabilidades por excesso de peso e as carências nutricionais secundárias em micronutrientes.
Por fim, cabe lembrar que um paciente com diminuição da massa magra tem menos tolerabilidade com o jejum. Lactentes portadores de AME não devem permanecer mais de seis horas em jejum e pré-escolares em diante não devem ser submetidos ao mesmo por mais de dez horas. Assim, o próprio jejum noturno poderá ser de grande importÂncia, principalmente se estiver associado a qualquer elemento de estresse que venha aumentar a necessidade de gliconeogênese, tal como febre, diarréia, etc. Além de não responderem adequadamente com produção adequada de glicose, o simples fato de haver catabolismo muscular para a produção desta já é lesivo a um paciente com AME. A oferta de alimentos deverá ser fracionada, permitindo a ingestão em pequenos volumes a intervalos regulares não superiores a quatro horas
Recomenda-se o uso de um grama por quilograma de peso de amido crú (maisena), dissolvido em líquido gelado antes da criança dormir ou em situações em que o jejum possa ocorrer. As refeições devem ser equilibradas com trinta porcento das calorias em gordura (que são pouco toleradas também). Nestas é importante a manutenção de pelo menos cinco porcento em ácidos graxos essenciais (n-3 e n-6). A oferta de proteínas deve ser normal contribuindo para doze a vinte porcento do total calórico e o restante em carboidratos, de preferência complexos, com a menor quantidade possível de dissacarídeos (sacarose, lactose, maltose) aumentado o tempo intestinal dos açucares e contribuindo para uma oferta ainda mais fracionada de glicose.
A oferta de ferro de boa biodisponibilidade (carne e vísceras) deve ser sempre procurada já que estes pacientes tendem a ter mais anemia. A garantia da oferta de fibras e de treinamento para permitir uma evacuação normal deve ser também uma das preocupações. Todos estes alimentos estarão sendo disponibilizados por meio de sondas ou próteses de gastrostomia e deverão ser manipulados para serem demandados por estes meios. A trituração, a peneiragem e a diluição são processos que deverão estar incorporados ao processamento dos alimentos. A técnica de gastróclise por sonda ou através da gastrostomia também terá que ser do domínio dos responsáveis.
Não há indicação especial de suplementos minerais ou vitamínicos quando a dieta for bem balanceada (variada em legumes e frutas frescas, cereais, fibras, óleo vegetal, lácteos e carnes) e a maneira de ofertá-la for segura. Entretanto, o Pediatra deve estar atento para as situações de risco nas crianças pouco expostas ao sol, sem nenhum trabalho fisioterápico e naquelas que a dieta ofertada for prejudicada por dificuldades econômicas ou fadismos e crenças que possam privilegiar algum exotismo alimentar. Nestes casos a oferta de polivitamínicos e complementos de cálcio e vitamina D se fazem necessários.
Nas situações de transição, onde não haja a garantia de uma boa demanda intestinal do alimento (dificuldades de deglutição sem próteses) podemos lançar mão de alguns suplementos que contém alta taxa protéica e energética em pequenos volumes que são disponibilizados no comércio prontos para uso. Estes deverão ser utilizados apenas nestas situações, não sendo necessário o seu uso depois que a nutrição foi estabelecida de forma eficiente.
O uso de suplementos de creatina monohidratada e de vitaminas, em especial das antioxidantes, tem suscitado a esperança de uma ação nutricional que possa cessar ou minorar a evolução negativa da AME, porém tais suplementos ainda carecem de comprovação de suas eficácias.
Texto:
Dr. Hélio Fernandes da Rocha
Professor Assistente de Nutrologia Pediátrica da FM-UFRJ